Podemos entender o “drama social”, concepção
desenvolvida por Turner (1987, 2008) quando da análise dos processos sociais entre
os Ndembu, como unidade constitutiva do processo social que se desdobra em
quatro fases distintas e interligadas: ruptura; crise e intensificação; ação
reparadora; desfecho.
Ao analisar os processos sociais
apresentados no filme “Fernão Capelo Gaivota”, podemos compreendê-los a partir
da noção de drama social. Assim, a primeira fase (ruptura) ocorre no momento em
que uma regra fundamental é quebrada pelo Fernão (protagonista), ocasião em que
ele decide desobedecer a seus pais e agir de forma diferente do grupo, desrespeitando
a tradição de voar junto a seu bando em busca peixe e partindo para uma
experiência particular de descoberta dos seus limites e capacidades de voar.
A segunda etapa (crise e intensificação),
desenvolve-se ao longo de suas tentativas de voar cada vez mais alto e mais
rápido, chegando ao ponto em que os demais pombos do grupo são ameaçados pelo
comportamento de Fernão, que voa muito próximo ao local em que os pombos do
grupo estão comendo e os assusta, levando-os a fugir desesperadamente na tentativa de não
serem atropelados por ele.
A expulsão de Fernão do grupo pelo ancião do bando, diante todo o bando reunido, simboliza a terceira etapa (ação reparadora). Para que sirva de lição para todas as gaivotas, Fernão é banido, deixando de ter a proteção e a acolhida do grupo, devendo a partir de então viver sozinho, não sendo reconhecido mais como pertencente ao grupo. Essa dramatização feita pelo ancião, devolve a segurança ao grupo, estabilizando-o novamente, deixa claro que todos ali devem viver segundo as tradições já estabelecidas, reforçando a estrutura social vigente.
Fernão vai embora e após muitas experiências longe de casa, aprende sobre a vida, o amor e a liberdade. Decide, então, a voltar para casa e compartilhar com todas as gaivotas do seu antigo bando as lições que aprendeu. Todavia, assim como nos mostra Turner (2008), a última etapa (desfecho) não necessariamente gera harmonia, logo, ao retornar para o bando, Fernão é recebido de forma dura, sendo tachado de "demônio" e ameaçado de morte. Mas o aprendizado de Fernão o levará (ação extra-diegética) a ter paciência e lidar com a situação de forma amorosa, tendo a difícil tarefa de mostrar às gaivotas de seu antigo bando que a vida pode ser mais que disputar cabeças de peixe.
Referências Bibliográficas
TURNER, Victor. The
Anthropology of performance. New
York: PAJ Publications, 1987.
TURNER, Victor. Dramas, Campos e Metáforas: Ação simbólica
na sociedade humana. EDUFF, Niterói, Rio de Janeiro, 2008.